PARA QUEM CUIDA
Dedos verdes: a experiência de crianças com plantio, colheita, saberes e afetos
Por Natália Tazinazzo Figueira
Uma educação numa perspectiva democrática, no sentindo freiriano, procura estar sempre fincada ao seu chão, territorializada, pois as nossas identidades também se constituem àquilo que o território nos dá.
Aqui, no CEI JD SÃO JOAQUIM, a vida pulsa de forma verde em vários espaços, lembrando-nos da proximidade da represa, de parques, de áreas de proteção, de quão grande foi a Mata Atlântica que as nossas gerações já conheceram desmatadas.
Amoreira, roseira, abacateiro. Hortelã, samambaia, pata de vaca. Jacas enormes!
Muitas árvores. Um bosque. O ensinar enquanto travessia, como diria Carlos Skliar, aqui é ensinar enquanto trilha.
Uma horta na EMEI ao lado. Vamos conhecer o entorno da escola e reparamos que as plantas, de forma geral, fazem parte da experiência das pessoas, da estética da rua, são cuidadas e se espalham pelo contorno da paisagem. Tem até urucum, dentro e fora dos muros! Já virou tinta, já virou instrumento de barulhar… E a andança, que na verdade foi uma saída fotográfica, trouxe-nos para um primeiro encontro com esse chão, com outros conhecimentos, com a gente mesmo. Uma inspiração de ações.
A alimentação como uma questão central
Todas as fotos foram tiradas por professoras da Unidade em momento formativo. Sabemos que a alimentação é uma questão central no trabalho dos CEIs. Em tempos de pandemia, pelas mais diversas circunstâncias: insegurança alimentar, conciliação do trabalho x pandemia x comunicação remota, autonomia e preocupação com a cultura alimentar… são muitos fatores. Assim, iniciamos um projeto coletivo e de pesquisa sobre a alimentação, levando em conta a memória das famílias, seus hábitos, desafios e anseios. Por meio do whatsapp recebemos muitas devolutivas que narraram os cotidianos das famílias, a pluralidade de uma comunidade e as trocas entre o grupo, como mostram os textos com os levantamentos feitos:
Por meio destes relatos, conseguimos nos aproximar das culturas migrantes e, unindo-as às nossas próprias demandas, tecemos um primeiro alinhavo do percurso:
Semanalmente, enviamos para as famílias alguns “recadinhos” para conversarmos e para auxiliar nessa construção, tanto pelos grupos de whatsapp quanto pelo Facebook, além das propostas presenciais e no Google Classroom. Nos momentos formativos, temos estudado vários documentos e materiais que têm nos orientado Foi assim que nasceu a nossa horta. Já temos três canteiros, que foram “abertos” em parceria com o coletivo Erva Daninha, e, neste momento, estamos na constituição de um projeto em parceria com o pessoal da UBS Jardim Souza, nosso equipamento de saúde referência. Temos um cronograma de cuidado da horta que abrange o conhecimento de cada adulto da unidade sobre o assunto e a participação dos bebês e crianças na rega, no cuidado, na degustação e na distribuição dos alimentos.
Em cada agrupamento, o projeto coletivo ganha contornos singulares, de acordo com os interesses, necessidades e manifestações dos bebês e das crianças. Alguns exploram elementos naturais na brincadeira; outros fazem culinária, outros plantam e realizam experimentos, conforme o cotidiano vai se enlaçando, a relação territorial das brincadeiras e interações vai se fortalecendo.
Nos refeitórios, a presença incomparável e afetuosa das “meninas” da cozinha. A comida da Bel, da Nilde e da Marlene, além de deliciosa, tem sido apresentada no centro do refeitório, numa preparação caprichosa do prato e muitas conversas sobre o preparo, incentivando a experimentação dos alimentos e participações em outras propostas que também ocorrem no espaço.
As diferentes culturas, a ancestralidade, os saberes locais, estão sempre em nosso radar, procuramos seguir atentas e sensíveis a estas manifestações, para materializar os princípios do nosso PPP, como afirmado no trecho abaixo:
“Eu escuto a cor dos passarinhos”. Os bebês e as crianças vêm ao mundo para ocuparem seus lugares de sujeitos, renovando e ressignificando os saberes sociais que construímos até aqui.
Esse olhar, que tudo vê pela primeira vez, nos ensina que o “verbo tem que pegar delírio”, ou que o fazer educativo é de transformação constante, de risco, mistério e aventura. Escutar o que se vê, ver o som do que se escuta, cheirar o gosto, provar o cheiro. Misturar os sentidos para conhecer e recriar vidas. Sempre em movimento, perguntando, duvidando da permanência.
Assim, o PPP do CEI JD SÃO JOAQUIM assume seu compromisso com os saberes e culturas de bebês e crianças, valorizando-os como sujeitos do conhecimento e de seus grupos sociais.
Assumir este compromisso significa entender a poesia e a brincadeira –maneiras infantis de interagir com o mundo- como modo de vida e reafirmar e aprimorar nossa concepção de educação e infâncias cotidianamente. Entre sujeitos da escola, território e as políticas públicas de educação da cidade de São Paulo, construímos então nosso Projeto Político Pedagógico.
Na última semana, no horário coletivo, combinamos que cada uma traria uma leitura como alimento estético para determinada semana. Depois de lermos “Água na Boca”, “Notas sobre a fome”, de Helena Silvestre, autora e ativista do nosso território, Cidália, uma de nossas queridas professoras, propôs a leitura literária de um do capítulo da obra “O menino do dedo verde”, uma história francesa que conta de um menino que transgride a ética numa perspectiva ética. Lemos dois. E combinamos de seguir nessa leitura, retomando a gostosura da partilha de historias em capítulos. Foi este momento que inspirou o título desse relato, inspirado também pelas colheitas que realizamos em nossa horta e distribuímos para as famílias: “Plantio, cultivo, cuidado.
O chão do nosso CEI já não é o mesmo E cotidianamente, de muitas formas, nos alimenta.
Hoje foi dia de colheita!
Natália Tazinazzo Figueira é Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino.