PARA QUEM CUIDA

Carolina presente em nosso território

Publicado em: 26/05/2022 às 14h51

Por Cinara Campos Ferreira Rodrigues

 

Carolina Maria de Jesus já escrevia em suas folhas surradas, encontradas talvez no meio do lixo, o sofrimento da vida na periferia. Muitas nomenclaturas mudaram, muitas dificuldades mudaram de nome, mas o sofrimento de quem vive na periferia ainda permanece. No contexto difícil do olhar de quem está dentro, apresenta-se também para o mundo muita cor, festa e alegria genuína.

E por falar em periferia, pensamos nos bairros que compõem o nosso território – Guaianases, Lajeado e Cidade Tiradentes – e que são extremos complexos, cada qual com suas especificidades.

Em Guaianases, que tem esse nome porque nele viviam os índios Guaianás, tem a estação de trem, a Igreja Católica São Benedito, tão conhecida como a igreja azul (que estranhamente está amarela, mas já foi laranja e também verde).

Inclusive, já teve até cinema em Guaianases, o Cine Tupy, um dos primeiros da cidade. Escola de Samba? Também tem e é a Unidos de Guaianases que já fez parte do grupo especial do carnaval de São Paulo. Sem falar no famoso e concorrido curso de magistério na Escola Estadual Pedro Taques, onde se formaram muitas professoras, algumas ainda atuantes na região.

No Lajeado, tem o conhecido Cemitério do Lajeado, onde, no passado, o cortejo do velório era feito a pé, como uma procissão, na estrada do Lajeado Velho. Nele, foi fundada, em 1861, a igreja de Santa Cruz, sendo, a partir de 1879, chamada de Paróquia de Santa Quitéria. No distrito se localizava o Osen, ponto de encontro profissionalizante para muitas crianças e adolescentes. Nos morros, que eram repletos de verde, hoje há construções, aliás, muitas construções.

O bairro Cidade Tiradentes, no extremo, que faz divisa com Ferraz de Vasconcelos e São Mateus, é permeado por prédios, como uma selva de pedras, mas no seu entorno tem muito verde, que ora causa medo, ora causa orgulho de ver a resistência de alguns campos de várzea. Em meio a tanta alegria das crianças, de repente, aparecem porcos, vacas e bois andando nas ruas… De tudo aparece na Cidade Tiradentes.

O território é povoado por trabalhadores, molecada na porta das escolas e marreteiros no terminal de ônibus. “Cinco da tarde! Bora ver carros, carroças e pessoas a pé!” Todos indo para seus lares, seja nos inúmeros prédios ou nos barracos nas comunidades. Não importa. Estão todos buscando o descanso no bairro dormitório. Afinal, são de duas a três horas para chegar “na cidade”, para vencer mais um dia de trabalho e, finalmente, dizer o tão famoso termo “Sextou!”.

Finais de semana no território, com calor, são muito barulhentos:  carro do ovo, churros, motos com seus “ran tan tans”, sirenes dos carros de polícia e da ambulância; com chuva, é um corre para tirar a roupa do varal, outro corre para proteger as crianças embaixo das camas (já que telhas não se tem mais). “Corre pra avenida de asfalto! O barraco alagou!”.  No outro dia, sol iluminando o asfalto. “Bora pro corre, pedir doação, se juntar com os vizinhos e compartilhar o que se ainda tem”. Afinal, é preciso pelo menos cobrir a cabeça das crianças. É preciso pelo menos secar e ajeitar o que água não levou.

Na escola, o reflexo do final de semana: as crianças caminham livremente e o silêncio muitas vezes faz morada em seus pensamentos, no apuro da noite anterior. Nós, educadores, pensamos: “O que se passa na cabeça delas?” Talvez que amam o sol, porque, apesar da poluição sonora, a mãe não perde tudo o que conquista no dia a dia do trabalho suado, afinal, trabalhar com reciclagem não é ofício fácil.

A vulnerabilidade não se apresenta apenas pelo viés econômico/material. Ela se apresenta dentro de uma linha tênue de pensamento. Esse sujeito que passa por tantas incertezas busca por equilíbrio, busca ser entendido, dentro da complexidade de seu território.

“Como saber o tanto e o que faz um estudante viver uma experiência de vulnerabilidade? Algumas situações são facilmente identificadas pela escola, mas outras, não, porque residem no silêncio daquele que não fala ou na voz daquele que não mais é ouvido”. (São Paulo: Vulnerabilidade e Educação, 2021, p. 17).

Violências existem. Elas estão impostas no cotidiano da periferia, estão muitas vezes estruturadas. E nesse olhar de dentro, o que compõe essas histórias, a mudança no olhar e a mudança para conduzir e impulsionar seus futuros está nas escolas, pois elas, e tudo o que elas representam, crescem, se moldam e se desenvolvem dentro de sua comunidade, junto com essa grande população. Afinal, o espaço escolar também compõe e estrutura esses territórios.

“Sugerimos que se fale da escola não tanto como “um lugar”, e sim como uma manifestação de vida em toda sua complexidade, em toda a sua rede de relações e dispositivos com uma comunidade educativa, que tem um modo institucional de conhecer e de querer ser.” (Imbernón, 2005, p. 96).

Carolina traz em sua obra a complexidade da pobreza, mas também nos mostra a potencialidade da aprendizagem e a importância da vivência escolar. Ela nos apresenta a força que a escrita e a leitura têm, nos ensina que apesar das diversidades dos bairros de São Paulo, principalmente das diversidades das comunidades, a escola tem um grande peso no desenvolvimento de seus habitantes, assim como foi com ela.

Carolina 1

Prólogo – Carolina Maria de Jesus

Nesse sentido, o espaço educacional apresenta novas perspectivas, nas quais a escola constrói, junto de seus habitantes, a história do território, traz alívio, traz luz e traz um novo olhar sob e para essas famílias. É nesse espaço que as crianças, os adolescentes e os jovens mostram todo o potencial no coletivo e no trabalho diário, construindo um pensamento concreto de realização de sonhos. A partir do espaço escolar, se desenvolvem os projetos de vida. É pela troca de ideias, pelo incentivo do professor, pelo bom dia da “tia”, pela comida feita com carinho e tantas outras experiências que se moldam as vivências nesses territórios e que se conduzem as vidas nas comunidades.

Por fim, acreditamos que seja necessário o olhar atento para cada indivíduo, cada criança e cada família. Enxergar, ouvir e acolher esses sujeitos demanda coragem, determinação. É essa práxis que irá refletir nessa comunidade. É essa ação-reflexão-ação que irá transformar este território e irá desenvolver essa população. São essas vivências escolares, junto aos seus pertencentes (professores, diretores,“tios e tias”, que muitas vezes já fazem parte do almoço de domingo, dos “memes” e piadas, das broncas recebidas, quase de pais  para filhos) que permeiam todo o processo contínuo e evolutivo do ser humano.

Imagem da capa: disponível em: https://ims.com.br/eventos/carolina-maria-de-jesus-presente-2021/

 

Cinara Campos Ferreira Rodrigues é psicopedagoga institucional do NAAPA – DRE Guaianases

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