PARA QUEM CUIDA

Encontro com Maria

Publicado em: 16/11/2021 às 16h04
G3

Por Equipe DRE Guaianases

 

“Mas eu sou forte! Não deixo nada impressionar-me profundamente. Não me abato.”

                                                           Carolina Maria de Jesus

 

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Como seres que se constituem na relação com outros seres, os adolescentes vão formando suas subjetividades, em um movimento dinâmico, complexo, contraditório, singular, histórico e cultural. Como seres ativos e conscientes de suas realidades, eles se deparam, em alguns casos, com suas vidas interrompidas por muitas violações de direitos, em outros, com a belezura da adolescência. ‘Adolescer’, além de representar um momento de crise, é também, e muito mais, um momento em que escolhas são feitas e projetos começam a ser construídos. Esses projetos contêm a visão que o adolescente tem de si mesmo, de suas qualidades e do que almeja alcançar. Essa visão de futuro está ligada às suas vivências e experiências anteriores e às relações estabelecidas até então em sua história. Nesse processo de buscas e definições, o adolescente precisa preencher espaços ainda vazios na formação da sua identidade decorrentes da dificuldade de encontrar respostas para questões que passam a ter grande significado e nos acompanham, muitas vezes, durante toda a vida: ‘Por que estou aqui?’; ‘Para que estou aqui?’; ‘Que poder tenho sobre minha vida, meu corpo, meu ambiente?’ ‘Qual o sentido da minha vida e da minha existência?’

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Imagem: Pixabay

Dentre tantas vidas nessas condições, encontramos Maria, uma jovem que, a partir de um passado marcado por situações complexas (assassinato da mãe, abandono do pai, violência sexual, cirurgias plásticas para recompor a aparência, traqueostomia, sífilis, HIV, tuberculose e afastamento do vínculo familiar, já que atualmente, vive em um SAICA), nos convidou a revisitar alguns conceitos e nos mostrou, mais uma vez, a consequência de determinadas escolhas, sobretudo da escolha de viver intensamente sua subjetividade, superar desafios e ser feliz. Conhecer a vida pelos olhos de Maria nos fez ver a vida permeada pela dor, porém não com menos esperança e entusiamo, pois, a partir de sua voz e de suas escritas, conhecemos seus desejos e a possibilidade de um futuro iluminado por sonhos:

“[…] Eu vou ser médica, eu quero ajudar outras crianças e jovens a não viver o que eu vivi. Nenhuma criança e nenhum jovem deveriam sofrer como eu sofri.”

 

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Imagem: Pixabay

As experiências em que Maria está inserida pode causar um grande mal-estar. Não podemos negar! No entanto, sua história também nos fortalece e nos encoraja a persistir na luta por aqueles que sofrem, muitas vezes, em silêncio, e, consequentemente, podem estar invisibilizados em relação às diversas violações de direitos e às diferentes violências. E mais, sua história confirma a importância da escuta afetuosa, da potência das ‘vozes adolescentes’, do papel da escola na prevenção e no enfrentamento das violências e da garantia de direitos a partir da promoção de situações sociais de desenvolvimento para favorecer vivências de afetos alegres com as aprendizagens.

Durante o percurso com Maria, em alguns momentos, foi preciso lhe emprestar nossas vozes. Em outros, fortalecer e ampliar a sua própria voz. E, o mais importante, descobrir quem ela é por ela mesma, enxergando um mundo de possibilidades a partir de seu próprio olhar.

Como todo adolescente, Maria é cheia de vida e de sonhos:

“Gosto muito de dançar, ouvir música, desenhar e cozinhar. Gosto de comer de tudo. Gosto de dormir. Adoro estar com gente que eu amo. Gosto de estar com meus amigos. Amo estar com minha família e com minhas sobrinhas. Gosto de estar perto do menino que eu gosto. Quero terminar os meus estudos. Eu quero me casar não muito nova e nem muito velha. Eu quero ter uma menina e um menino. Quero muito ser uma mulher autônoma.”

 

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Imagem: Pixabay

“Me deu uma saudade do Felipe. Estou falando com o Paulo sobre o amor da minha vida. Quando penso nele, me arrepio da cabeça aos pés. Só queria saber o porquê eu ainda me arrepio com ele.”

Estava com saudades da tia Gina e da vó. Nossa! Eu nem sei o quanto fiquei feliz. Tiramos fotos e conversamos. Foi ótimo!”

“Com o dinheiro que a avó e a tia me deram, vou comprar maquiagem e abrir uma conta.”

“Com o dinheiro que ganhei, pintei a unha com esmalte ultravioleta com gliter.”

“A tia (profissional do SAICA) é o sol do meu dia”.

“Eu experimentei pepino. Eu amei. É muito bom.”

“Hoje é sábado. Fui para casa da minha tia Gina. Eu mexi no face, tirei fotos. Hoje meu dia foi demais.”

“O sobrinho do Ruan falou que eu sou bonita e eu me senti bonita. Perfeita. Amei!”

“Estou linda hoje porque arrumei meu cabelo, passei muitas vezes na frente do Heitor.”

“Amanhã será quarta-feira. Aí, vão faltar dois dias para eu ir para casa. Quinta, sexta e finalmente sábado. Eu vou para casa ver minha família e me divertir.”

 

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Imagem: Pixabay

Quanta vida em seu olhar! Quanta potência em sua voz! Quantas coisas a dizer! Quantas vozes se libertam a partir da voz de Maria!? Aliás, que voz! Se, por um lado, ela se sente solitária, por outro, carrega uma multidão em suas narrativas!

Precisávamos pensar em estratégias que fortalecessem o elo de Maria com a escola e a ajudassem a refletir sobre a sua vida, a sua identidade e o seu sentimento de pertencimento, pois acreditávamos que a partir da orientação educadora ela poderia encontrar melhores formas de conhecer a si, mesmo dentro de um contexto que, apesar de ter terras áridas, também possui vales capazes de acolher suas melhores sementes e torná-las mais floridas, contribuindo, assim, com a construção de novas possibilidades do “vir a ser”. Dentre as atividades pedagógicas desenvolvidas com Maria, coube à escola contribuir para a construção de sua identidade por meio de repertórios que fortalecessem sua participação no contexto social, sendo sua identidade fortalecida pelo vínculo que ela estabeleceu com a escola por meio das ações propostas também para os estudantes que estão fora dela, seja pela evasão, pela exclusão ou pelo abandono, contidas ora no tablet ora nas atividades impressas.

No sentido de consolidar a relação entre a estudante e a Unidade Educacional, nossa equipe confeccionou o “Caderno da Vida”, no qual, a partir de algumas intervenções, ela pôde, na forma de diário, expressar suas percepções e tecer novos olhares para sua história de forma que sua autonomia, enquanto sujeito de direitos, fosse fortalecida. No primeiro momento, evidenciamos que o caderno por si só estabeleceria, de forma lúdica, a correlação com o universo escolar. Na sequência, ele foi pensado como um espaço de valorização e escuta das suas experiências nos vários tempos e espaços do cotidiano da sua vida.

Sua voz encontrou aconchego na escrita, rompeu os silêncios e apresentou novas formas de dar sentido ao que ela estava sentindo. A partir da tinta no papel, ela pôde lidar com seus sentimentos e construir novos olhares, materializados de forma livre em suas escritas:

“Vou fazer o melhor para mim porque já me prejudiquei muito nesta vida. Eu quero o melhor para mim. Nossa, de verdade, quero um recomeço para minha vida.”

“Só não sei como eu posso provar que eu mudei. Não sei como eu posso falar que eu mudei por fora e por dentro.”

Sabemos que se trata de um longo processo, a partir do qual a ação educadora potencializará sua capacidade de se relacionar e transformar o mundo em que está inserida! Acreditamos na liberdade de escolhas que o conhecimento promove! Acreditamos na transformação da realidade a partir dos encontros com Maria! Acreditamos nos sonhos de Maria! Acreditamos em Maria!

Esperamos presenciar a junção entre seus sonhos e sua realidade, apoiando tanto Maria quanto a escola, neste belo encontro da adolescente consigo mesma, com os outros, com a escola e com o mundo. 

 

Equipe G

Equipe NAAPA DRE Guaianases: Adriana Daleffi, Ana Paula Ignácio Masella, Cinara Campos Ferreira Rodrigues, Gisele Oliveira de Brito, Regiane Alice de Araujo Rocha, Regina Lopes de Lima Baldi, Márcia Aparecida Richard.

 

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