PARA QUEM CUIDA
Por Vilma Aparecida Galhego
“Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.”
Clarice Lispector
O que sei sobre o outro e sobre mim reverbera no percurso que escolho trilhar na docência, uma vez que os efeitos dos encontros vividos somam-se ao longo da vida, transformando-se em bagagem, repertório, manancial.
O tempo vivido na escola me propõe perguntas novas a todo tempo, pois a vida que me chega por meio dos estudantes é cheia de questionamento e novidade, por isso me refaz no sentido de descontruir as certezas e aprender que o movimento da vida não cessa.
O espaço da escola vai, ao longo da minha travessia, sendo ponte de afetos e saberes, pois esse chão tão repleto de diversidade e de acontecimentos me aponta para um devir, sempre em construção e processo.
Logo, a experiência da docência tem inscrito em mim tantas histórias, narrativas que me fazem refletir sobre o meu fazer e a minha intervenção no mundo. Vivenciar este espaço-tempo é uma ação que conclama uma leitura expandida do mundo, de como atuar nele, inscrevendo a nossa passagem conjuntamente com a do outro, engendrando no gesto, ressonante, o reconhecimento do alcance das vozes que ecoam na escola.
O porto de chegada é sempre uma imagem vinculada ao eu, mas chegar a qualquer lugar implica reconhecer as pessoas que ao longo do caminho se fizeram e se fazem presentes na travessia, compondo a multiplicidade de paisagens e cenas ancoradas no olhar, que para além do estético, buscam o ético inscrito na transformação de tantas condicionantes, desencadeadoras de contextos vulneráveis. A minha forma de cuidar de mim e do outro é lendo, por isso, a bagagem mais acomodada na minha memória vem desse lugar: da descoberta da palavra e da relação que ela permeia entre e mim e o outro.
Como “é preciso autorizar o texto da própria vida”, ensinar a ler é um gesto que não cessa, tal como uma travessia, constitui-se no movimento em busca de altura, largura, profundidade, expandindo o olhar e o espaço a ser ocupado no mundo.
Imagens: Vilma Aparecida Galhego
Vilma Aparecida Galhego – Professora de Língua Portuguesa – NAAPA/SME
A descoberta do mundo (crônicas publicadas no Jornal do Brasil de 1967 a 1973). Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 119)