PARA QUEM CUIDA
Tessituras nas relações entre professor e estudante: breve ensaio sobre “encontros”
Por Elizandra Félix
“Quero falar da descoberta que o ‘eu’ faz do ‘outro’. O assunto é imenso, mas acabamos de formulá-lo em linhas gerais já que o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo que não é si mesmo; ‘eu’ é ‘outro’. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim”.
Tzetan Todorov (1982)
Imagem: Pixabay
Cenas que se repetem no cotidiano de uma escola: murmúrios barulhentos, risos constantes, conflitos, infância, adolescência, vivências marcadas por um tempo social, vivo, dinâmico, contraditório, histórico. O olhar do docente percorre os espaços por onde esses tantos de mundos transitam, carregando em si a efêmera sensação de eterno, acompanhado dos muitos personagens que os formaram, que os constituíram como seres singulares e múltiplos.
São muitas as narrativas que interpretam estes corpos, estereotipando-os ou naturalizando-os como incorrigíveis, rebeldes, em crise ou difíceis de serem adocicados (como se assim devessem ser). Leituras permeadas de uma linearidade possivelmente irreparável e sem o pleno entendimento dos efeitos danosos que elas podem inferir.
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Se no encontro com este ‘outro’ as leituras que forem feitas de mim e para mim estiverem associadas à compreensão de que a consciência humana está relacionada à atividade humana genérica, de que por esse olhar minhas potencialidades podem e devem ser exploradas, de que eu devo e posso ter acesso aos conhecimentos científicos produzidos pelos homens, de que, se assim o fizerem, eu terei muitas possibilidades de transformar a realidade que me circunda, de que é assim que eu me humanizo e te humanizo, sem dúvidas, os olhares biologizantes sobre mim serão superados.
Penso que, dessa maneira, nos encontremos, o seu ‘eu’ descobrirá o ‘meu eu’, figura e fundo nesta relação em que me refaço em ti, ao mesmo tempo em que você se refaz em mim. Sempre de forma emocionada, por vezes, doída e amarga, mas também, por vezes, alegre e engraçada, e é dessa conjuntura que nos constitui, que nos defini, que nos tornamos superiormente e singularmente humanos.
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Acredito que podemos mudar a trajetória do nosso encontro. Iniciaremos lembrando de que nós, humanos, nascemos imbuídos de instrumentos e signos construídos pelos nossos iguais, de que a linguagem é a principal ferramenta de transmissão dos nossos conhecimentos, de que na relação com outros sujeitos, internalizamos diversos modos de pensar, de sentir e de agir. Então, podemos nos encontrar de novo?
Sei que pode parecer que não temos nada em comum, eu sou o que ensina, e você é o que aprende, mas se nos despirmos dos muitos acessórios convencionais, que nos obrigaram a usar, veremos que temos olhares, gestos e diálogos bem parecidos – o que me parece ser uma opção generosa entre mestres que vivem num mesmo tempo, contudo, constituídos em momentos diferentes. Desta forma, faremos na trama dos nossos encontros, âmagos, contradições, tons, reflexões, aprendizagens.
Novos contornos serão produzidos em nosso encontro, novos enredos para este espaço que definimos como escola. Superaremos, assim, a concepção arbitraria que ocupa o mestre ‘professor’, o incorrigível ‘aluno’, do inapropriado ‘entorno’, e para estes vamos compor novas narrativas, tecida por nossas mãos que, mesmo ásperas, nos unirá. “Tessitura árdua, mas indissociavelmente necessária para nos tornarmos juntos’, em nossa forma inicial e final, real e singular, de ser e de aprender.
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Veremos um no outro uma série de coisas que eram invisíveis e impossíveis de serem enxergadas, de serem sentidas, de serem notadas. Seremos eu e você, professor e estudante em nosso novo fazer crítico, dialógico, propositivo, tecendo sem medo de enfrentar os desafios incertos do cotidiano, porque saberemos que ‘cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu’, inacabado, aprendiz. Afinal, não é no encontro com o outro que nos constituímos? Então, podemos recomeçar…
Elisandra Félix é professora da RME e atua como Psicóloga no NAAPA/SME.